organizando os ingredientes

Este blog é escrito por Roberta Dutra. Nasci em Belém do Pará e passei maior parte da vida no Ceará, me mudei algumas vezes, viajei pelo mundo outras tantas e atualmente moro em Santa Catarina. Cresci em família grande, com muitos primos, primas, tios, tias e mais uns tantos agregados das mais variadas espécies. Tive uma infância plena e feliz e hoje, embora seguindo feliz, sofro muito de saudade. Registro aqui algumas impressões peculiares sobre a vida e seus desdobramentos, sobre o cotidiano e alguns tantos textos escritos para algumas pessoas em particular que exerceram e ainda exercem grande influência na minha vida, além de fazerem parte das minhas melhores lembranças, é claro! Não tenho grandes pretenções literárias, gramaticais nem sequer ortográficas, mas escrevo com muito amor, que é o que todo mundo precisa. Resumindo, mantenho o blog como meio de comunicação entre amigos e famíla distante e possíveis interessados. Entre e fique a vontade...

be my guest!

quinta-feira, 8 de março de 2012

o contrário da solidão

texto escrito pra Carurina - 18-02-12

Dia desses estávamos todas nós, reunidas num restaurante-bar ao som de variados sertanejos regados a incontáveis caipirinhas de to-das as frutas e muuuuita dor-de-cotovelo. Notamos todas, quase que ao mesmo tempo, que todas as músicas que cantávamos aos berros engrossando o coral do resto do bar tratavam sempre de temas recorrentes: solidão, abandono e desamor. Assuntos estes que caem como um chumbo, ou uma luva, numa mesa de mulheres semi-sóbrias.

Relembramos tempos idos, amores passados, rios de lágrimas corridas e demos muitas gargalhadas porque, enfim, tudo nessa vida passa! Quando o(s) assunto(s) foi dado por encerrado, eis que surge a filosofa Carurina, no auge de sua "nem tão vã" filosofia e constata que felicidade não se canta (pelo menos não com tanta frequência e nem com tanto sucesso) e que não existe uma música sequer nesse planeta que diga: "Como eu sou estupidamente feliz com meu marido e meus dois filhos, na minha casinha, com meu emprego sossegado e a simples presença dos meus amigos num sábado chuvoso já me traz tamanha alegria..." (juro que estávamos tentando rimar e colocar em um ritmo qualquer) Começamos a rir litros!

E ai começa a tal da psicologia de mesa-de-bar... De fato, não damos a atenção merecida pro amor, nos contentamos com o culto a emoção, buscando irrefreavelmente o agora, a adrenalina nossa de cada dia, que é, no fundo, um sintoma da insensibilidade geral da nação. Estamos ficando robotizados, só conseguimos nos emocionar com o brand new, o risco, o impacto. Ok, uma dose de enfrentamento com o desconhecido acaricia o ego, mas não dá pra se viciar no inédito e perder a capacidade de se comover com o banal.

Pessoalmente, já viajei um montão, namorei um tanto e o fiz sempre tudo ao mesmo tempo, mas olhando pra traz, poucos dias me deram mais prazer que passar o último reveillon em casa, estourar a champagne em família e poder dizer ao meu pai, dentro de um largo abraço, o quanto isso me fez falta nos últimos anos. Não foi nenhum mega evento, eu sei, foi apenas um sentimento; essa coisa tão rara.

De lá pra cá, nem gol da seleção me toca de fato. Pude perceber que alegrias encomendadas e com hora marcada, ainda que necessárias, não me fazem mais vibrar. O que me cala mesmo é o sorriso escapado dos olhos de alguém, um gesto que era pra ser invisível e eu vi, aquele olhar que diz tudo e o sorriso que se basta.

Via de regra, todos queremos intimidade, embora raramente nos permitamos um contato realmente íntimo e desnudo de vaidades. Não queremos nos machucar mas nossas atitudes nos levam pro caminho inverso. Procuramos a felicidade cegamente e nos tornamos incapazes de identificá-la porque o nosso desejo secreto é, quase sempre, secreto até para nós mesmos.

Felizmente -conquanto eu mesma já tenha tentado inúmeras vezes-, é difícil me transformar em pedra, cimento e concreto. Podem fazer minha cabeça, posso mudar de ideia variadas vezes e ser influenciada outras tantas, mas o fato é que hoje sou um pouco mais maleável. Mas arrancar de mim a humanidade e me tornar incapacitada pro amor? Acho que não.

Como diria Marthinha (a Medeiros): "O simples nunca foi fácil, muito menos pra quem tem um coração onde muitos possuem uma pedra"

Parabéns Carurina por sua imensa, contagiante e 'estranha' felicidade com 'a-pe-nas' seu marido, filhos, casa, trabalho e uma tarde chuvosa de sábado de carnaval com os amigos. Quando eu crescer, quero ser exatamente assim! ;)










quinta-feira, 1 de março de 2012

O cara do elevador

texto escrito pra uma das minhas saudades

Meados de 2003, ele sabia onde eu malhava, a que horas corria, onde estacionava meu carro e até já havíamos nos cruzado umas poucas vezes. O que ele não sabia era que eu, há tempos, percebia sua presença, que comecei a correr por sua causa e que isso me renderia umas tantas sessões de fisioterapia no joelho. Era um loro atlético, e por algum motivo inexplicável, bem diferente dos outros 575 loros atléticos que corriam na Beira Mar.

Ele tentava me acompanhar nos exercícios bem discretamente e até gostava de ver meu esforço escomunal pra correr meros 2 km, percebia uma certa dignidade nisso. Eu, por vez, apenas sabia, no auge da minha falta de boa forma, que se tratava de um triatleta, daqueles que madrugavam pra treinar, competiam aos domingos 6am e trocavam facilmente as noites de culto a Baco por um justo sono tranquilo.

Um dia nos cruzamos, num elevador lotado do Potenza, eu entrando e ele saindo, e por razão nenhuma nos cumprimentamos. Duas singelas vogais: Oi e um breve sorriso amarelo quase enterrando os olhos no chão.

Passaram semanas até que voltássemos a nos ver, agora no estacionamento do prédio, de longe, e somente acenamos. Permanecemos de longe, por conta de umas várias viagens a trabalho e competições, por mais uns pares de semanas.

Não lembro quem tomou a iniciativa, se fui eu que resolvi colocar um decote maior e ficar esperando a 89ª rodada de elevador pra entrar apenas quando ele lá estivesse, ou se foi ele que acordou de manhã com vontade de causar. Lembro apenas que fomos além de duas vogais. Ele teve a audácia de me chamar pra almoçar, e eu o desplante de aceitar.

Durante o almoço, eu com meu singelo prato de pedreiro e ele com salada, soube que ele voltara a solteirice a pouco e eu,tratei de me adiantar afirmando convictamente estar numa relação fadada ao fracasso e com os dias cotados, faltava só a coragem pra acabar (juro que era verdade!). Ele tomou um suco e eu uma Coca - passei dias pensando que poderia ter pedido pelo menos uma Coca light pra causar boa impressão - e ficamos de nos falar.

Dias depois e eu ja sem nenhuma unha ou cutícula pra roer - inclusive as dos pés - e, a propósito, com o antigo namoro decadente já ido pro saco, ele telefonou.Depois de contar lentamente a até 10 antes de atender e quase tendo um AVC do outro lado da linha, comentei nadíssima sutil que passara a integrar o time dos solteiros. O recado foi prontamente entendido e saímos pra jantar, e desde então não paramos de sorrir, tocar e nos conhecer.

Eu contei, entre lençóis, dos perrengues e peripécias de se trabalhar com navegação. Ele contou, no nosso 1º fi de semana juntos, da relação que tinha com os pais e de como isso influenciara no seu caráter. Eu comentei, enquanto cozinhava seu macarrão com atum e molho de tomate, que havia sido a criança mais feia do colégio e que isso me custara 8 anos ausente de fotos de família e colegiais. Ele disse, enquanto procurava nossa música preferida na rádio, que pretendia morar no Rio ou em Brasília e eu respondi, enxugando suas costas e penteando seus cabelos, que já tinha morado em Madri e que a experiência era bastante válida.

Me confessou ainda, embaixo do edredom e no meio da sessão pipoca, que de pequeno queria ser astronauta. Eu contei, secando o esmalte, que escrevia poemas. Um dia lemos juntos e ele gostou.

Não chegamos a viver juntos, como grande parte dos casais. Sequer nos rotulamos, mas foi com ele que corri minha primeira maratona e nunca mais ficamos separados por um elevador, nem por um sorriso amarelo e nem por um silencio interrogativo ou possibilidade remota.

Ele se foi pra Brasília com meu total apoio e incentivo, eu fiquei no aeroporto. Seguimos nossas vidas e ainda nos falamos com frequência cada vez mais rara. Pra mim, nunca mais apenas um triatleta. Pra ele, nunca mais apenas uma menina que trabalhava com navios. Sigo lembrando do meu amor contingente. Seguimos sendo saudades...